Segunda-feira, 8 de Fevereiro de 2010

The Road - A beleza do Fim

O Mundo desvanece-se entre a cinza que asfixia o ar. A vida esvai-se nos últimos sopros de vento. A esperança é algo que escorre pelos últimos fios de água que vão sobrevivendo ao Mundo. No meio uma estrada. Um pai. Um filho. Nenhuma esperança. O Fim aproxima-se. Mais belo do que nunca!

É dificil dizer que um filme como The Road é belo. Mas é-o. Do primeiro ao último suspiro.

Belo no notável trabalho técnico da equipa de John Hillcoat que transformou o apocalipse numa longa e doce morte. Não há aqui os cataclismos que enchem salas de adolescentes cheios de pipocas nas mãos. Há um longo definhar. Um triste definhar de um Mundo de que já quase ninguém se lembra. Não sabemos como. Nem porquê. E pouco interessa. Sabemos que a morte foi longa e lenta. Durou anos a definhar o Mundo. A desesperar o Homem. A fazê-lo questionar a sua própria natureza. A destrui-lo por dentro antes de definhar por fora. O registo seco e despiedado de Cormac McCarthy rasga as entranhas do mais optimista e cala o critica mais negativo. Sabemos que o Mundo tem uma data de validade. E no entanto, recusamo-nos a desistir. Como aquele pai, que nunca aceitou seguir o rebanho para uma morte certa. Ou para a condenação eterna. Sem cair à tentação do triste e fácil meio para a sobrevivência. Sem desesperar a ponto de abandonar o navio quando ainda havia água por baixo, este Pai, do qual nunca saberemos o seu nome - e que falta faz - traz consigo esse fogo Humano que é o traço mais belo que vamos encontrar nestra estrada perdida.

The Road é um épico emocional cuidado ao mais minimo detalhe.

Visualmente aterrador, é nos grandes planos do rosto desse pai, desse gigante Viggo Mortensen, que sentimos o palpitar do fim do Mundo. Um olhar triste, desesperado. E profundamente real. Todo o filme de Hillcoat se poderia resumir ao rosto de Mortensen. Um actor mudo numa era onde o grito ainda prevalece. Um actor que fala apenas quando é necessário com a voz mas que grita todo o filme com o olhar. Num dos seus melhores, e mais arrebatadoramente contidos desempenhos, o actor que assim culmina uma década mágica, convence-nos de que nos pode levar a sobreviver. Mesmo quando sabe que, tal como Moisés, ele nunca poderá ver a Terra Prometida. A analogia é clara a essa épica e desesperante viagem. Aos outros - ao Filho - caberá salvar um Mundo ao qual ele já não pode pertencer. Ele vem de outro planeta, como a certa altura diz ao filho. Um mundo onde uma simples lata de Coca-Cola não é um bem de luxo. Numa das cenas mais belas do ano cinematográfico ele partilha esse trago com o filho que não tem a minima noção do que tem nas mãos. O fim não poderia ser mais belo.

Há uma lágrima dentro do coração que percorre todo o filme sem cair. Aguenta as cenas de canabalismo - um retrato brutal e real de até onde pode chegar o Homem no seu definhar mais lento - a morte, a dor, o sofrimento. Aguenta a destruição. Mas já não aguenta o rosto definhar de um Homem só. Um Homem que sente que falhou na sua missão nos últimos segundos de vida, sem antecipar que o Filho, esse rosto de esperança, esse defensor dos reais valores humanos quando ele próprio já os perdeu, será resgatado. Para onde e com que destino não nos cabe descubrir. Sabemos apenas que a sua viagem não foi em vão. Em cada travelling, em cada grande plano, vivemos nesse desespero da personagem. Do Homem. De Viggo. No final queremos tapar-lhe o rosto e sussurar-lhe aos ouvidos que tudo está bem. Mesmo que já não nos ouça. Mesmo que o Mundo não tenha querido ir vê-lo. A sua viagem foi mais bela do que nunca. Mesmo que tenha acabado com o Fim.

 

Classificação -

 

Realizador - John Hillcoat

Elenco - Viggo Mortensen, Kodi Smith-McPhee, Charlize Theron

Productora - Universal

Classificação - m/16

Categorias:

Autor Miguel Lourenço Pereira às 09:42
Link do texto | favorito
De Tiago Ramos a 9 de Fevereiro de 2010 às 11:22
The Road não é um filme fácil, não é para estômagos fracos. Porque dá-nos socos e nós limitamo-nos a aceitá-los, como se arcássemos com o mesmo fardo que as personagens, como se a nossa estrada também não tivesse fim. A dada altura, talvez pedíssemos um argumento menos linear – uma explicação para tal apocalipse. Mas isso, nunca nos é dado. E nós limitamo-nos a esperar, angustiados. Angustiados. E nada mais.


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