Diz-se que quando um adolescente está apaixonado é impossível que não se note. As paixões cinematográficas são assim, transparentes como o celulóide e não é preciso olhar para Woody Allen para saber que nele algures se encontra uma profunda tatuagem que diz "Paris Je T´Aime". O seu mais recente filme, Midnight in Paris, é uma ode de um eterno apaixonado. Apaixonado pela Cidade-Luz, apaixonado pelas memórias do passado, apaixonado pela beleza das mulheres...apaixonado pela vida. Aos 76 anos Woody Allen está tão apaixonado como um adolescente. Felizmente, isso nota-se...
Há três filmes dentro de Midnight in Paris e no final de 95 minutos é impossível que o espectador se decante por apenas um deles.
Mérito de um argumentista-realizador, o último da sua espécie, recheado de uma jovialidade mental que destila cada linha escrita, pensada e filmada. Allen prova com o seu novo filme que o conceito de juventude mental faz muito mais sentido que a idade no bilhete de identidade. Afinal, ninguém imaginaria um filme tão optimista e promissor como esta viagem a Paris, e dentro de Paris às cidades dentro da grande ville.
Woody Allen refresca a sua filmografia - depois de filmes ligeiros como Ill Meet a Tall Dark Stranger ou Whatever Works, sem a intensidade cómica e dramática que consegue aqui - num lance ousado e tremendamente bem sucedido que reforça o seu caracter de cineasta com alma europeia mas olho americano. A forma como filma Paris é claramente a de um turista apaixonado. A forma como a descreve em papel a de um parisino orgulhoso. Talvez, a estas alturas, Allen não seja nem uma coisa nem outra mas quem acompanhou a carreira do nova-iorquino sabe que é difícil encontrar alguém capaz de abandonar uma velha paixão (the Big Apple) por uma nova (Paris) com tamanha clareza. Há uma limpeza emocional em cada frame que acelera o coração de qualquer espectador. Paris merece mais do que uma missa, pensaria Allen, merece parte de mim. E Midnight in Paris é isso mesmo, um regresso aonde nunca saiu. Se o cineasta já tinha decidido acabar um dos seus melhores - e mais subvalorados filmes, Everybody Says I Love You - ao lado do Sena, é com este passeio à chuva, essa chuva que não ousou interromper o baile de Allen com a sua imperdível Goldie Hawn ao som de Cole Porter. Sim, esse mesmo Cole Porter, outra das muitas paixões que vão desfilando por Midnight in Paris. Apaixonado até às entranhas da vida - enquanto outro veterano, Clint Eastwood olha contemplativo para a morte, Allen procura agarrar-se à vida - o cineasta decide fazer do seu último projecto uma compilação de amores. Impossíveis, como só ele, possíveis, só para nós.
Como a idade não perdoa nisto da coerência narrativa, Woody Allen já não pode ser Woody Allen.
No entanto o cineasta tem tentado encontrar actores jovens que possam fazer de si mesmo com a mesma autenticidade que só o pequeno judio nova-iorquino é capaz de transmitir. Claro que isso é impossível, Allen é Allen, mas dentro do possível, Owen Wilson revela-se uma escolha mais acertada do que seria supor. Nele vemos o maneirismo, as expressões e os traços do maestro da comédia americana contemporânea. E aceitamos embarcar com ele nessa viagem apaixonada entre presente, passado e pretéritos..
Wilson é Gil Pender, escritor angustiado, guionista de sucesso, preparado para entrar na socialite americana com um casamento onde há de tudo menos amor e atracção sexual (apesar da noiva ser a sempre deslumbrante Rachel McAdams, perfeita no seu papel de irritante noiva da América). A sua devoção por Paris (à chuva) só é superior pela sua admiração pelos anos 20, a sua particular era de ouro. Uma noite, por essas ruas perdidas da capital gaulesa, Gil é transportado no tempo para um mundo onde encontra, frente a frente, os seus (dele, de Allen) grandes ídolos artísticos da era do jazz, charleston, vestido curtos e rostos perdidos no tempo. Hemingway, Fitzgerald, Steiner, Dali, Buñuel, Ray, Matisse, Elliot, todos santos de devoção particular, vão desfilando para deleite de Gil (de Allen...e nossa) e tornam-se elementos definidores da sua própria existência. No entanto como sempre, Allen não é só um apaixonado por Paris (e os primeiros quatro minutos, como um documentário de Jean Vigo, são uma das mais belas declarações de amor a uma cidade que o cinema já viu) ou um apaixonado do passado (e de Cole Porter, inestimável companheiro de viagem). É, sobretudo, um apaixonado por mulheres. Mulheres que, na sua filmografia, mesclam sempre a beleza carnal física com a alma atormentada de artista. E não existe nenhuma actriz no espectro actual capaz de captar esse espírito de forma tão certeira como Marion Cotillard.
A sua Adriana é, sem dúvida, a alma do filme, o outro lado do espelho de Gil (afinal ela também tem direito a ver cumprir o seu sonho), o outro lado de Paris, o outro lado de Inez (como os nomes denunciam que o argumento foi escrito numa viagem às Asturias...) a sonsa americana que prefere uma aventura com o snob intelectual britânico (delicioso, como sempre, Michael Shannon) a entrar nessa espiral de criatividade que rola pela cabeça de Gil. A deslumbrante actriz francesa, talvez o rosto e presença mais icónicos do cinema gaulês desde os dias de Bardot, rouba o coração de Picasso (tratado com um desdém a que Allen não vota o imenso Dali), Hemingway, Gil, Allen e todos nós...Ele serve de fio conductor do filme, de pretexto para viagens ao passado, de pretexto para reencontros no presente (com uma aceitável Carla Bruni num cameo que não lhe fica mal) e para ideias de futuro (e não é também o rosto de Lea Seydoux um dos rostos de futuro do cinema europeu?). Através de Adriana entendemos o porquê das meias-noites de Paris serem tão especiais e, sobretudo, entendemos o porquê de, como Gil, sentir-mos essa eterna nostalgia que só o Sena transmite.
Midnight in Paris é um dos melhores filmes da filmografia de Woody Allen. Uma tripla carta de amor com destinatários distintos e sensações encontradas que nos permitem entender que a figura criativa do cineasta nova-iorquino continua viva e de boa saúde. O filme permite entender as grandes paixões da vida, os grandes sonhos do passado e as eternas ilusões do futuro. Allen sempre foi um cineasta que misturou à perfeição o pessimismo crónico do derrotista com o optimismo exagerado do romântico. Poucos filmes sabem captar tão bem essa sua fórmula existencial como esta deliciosa aventura, à chuva claro, passeando de um lado ao outro do rio, olhando para o céu parisino e esperando, apaixonadamente, que soem as badaladas da Cinderela que, no fundo, todos temos dentro de nós...
Realizador - Woody Allen
Elenco - Owen Wilson, Rachel McAdams, Marion Cotillard
Productora - Mediapro
Classificação - m/12
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