Quarta-feira, 14 de Dezembro de 2011

A Dangerous Method - Orgasmo subjectivo

A capacidade que tem um realizador genial como David Cronenberg de surpreender é proporcional à expectativa do espectador em ser surpreendido. Quem mergulhou pelo complexo mundo de múltiplas metamorfosis para se reinventar numa espécie de Fritz Lang moderno em A History of Violence e Eastern Promisses é capaz de tudo. Com A Dangerous Method o cineasta canadiano volta a cumprir com essa sua tendência inevitável à surpresa. Num filme que fala, sobretudo, de sexo, o realizador consegue estripar qualquer resquício de erotismo ao mesmo que transforma uma luta de egos num sonho de alter-egos irreconciliáveis.

Quem se lembra da violência sexual desses orgasmos destructivos e viciantes de Crash dificilmente associa dois filmes tão distintos ao mesmo homem. A forma como Michael Fassbender - tremendo do primeiro ao último frame - explora todos os desejos escondidos de uma Keira Knightley superlativa, mamilo de fora, saia levantada, coxa marcada pela violência de cada golpe destinado a provocar esse orgasmo contido que em Crash explodem violentamente, era tudo aquilo que não esperávamos de Cronenberg. Talvez por isso seja tão delicioso.

Num filme sobre a origem da psicanálise, dessa relação atormentada entre dois homens de puro génio, Carl Jung e Sigmund Freud (propositadamente aqui uma personagem relegada para segundo plano) o sexo é o eixo motriz mas não o que atraia, o que estimula o que transborda de emoção. A relação carnal, tão proibida como a contenção social defendida pelo mesmo homem que desafiou todas as convicções sociais de então, é um mero veículo, às vezes até aborrecido, talvez pela estética dos protagonistas, longe de serem galãs de tempos imemoriais, talvez por ser tão brutalmente seco.

A forma como Cronenberg conduz essas sequências encaixa perfeitamente no hermetismo clássico de toda a obra. Um arranque tão convencional como o seu messiânico fim e, pelo meio, o habitual jogo de sequências que permite explorar a grandiloquência do drama de época encaixado com o poder de sedução silenciosa habitualmente presente na obra do autor. Se algo lhe falta a Cronenberg nesta viagem é uma maior fluidez de câmara. Demasiadas vezes os cortes de plano cortam o ritmo e retiram oxigénio à narrativa como se de um sonho angustiante se tratasse, um desses devaneios empíricos e profundamente perturbantes que cortam a mais prolifera imaginação.

 

Encontramos na relação de Jung e Freud um amor parental que, como todos, está destinado a romper-se.

A forma quase submissa como o médico suíço protestante e (in)felizmente casado com uma rica burguesa se coloca diante do pobre e influente psicanalista judeu espelha perfeitamente a relação do próprio público com o tema. Freud é, na mente de todos, uma sumidade a que se acode com um respeito que só um charuto da mais irrepreensível qualidade é capaz de confirmar. Do principio ao fim vemos nessa imagem secular um Freud que se parece mais a São Tomás de Aquino do que propriamente a um revolucionário cientifico capaz de destroçar séculos de preconceito social. Viggo Mortensen, um dos mais completos actores das últimas décadas, soube captar esse olhar perdido de um filósofo preparado para contemplar o nada imaginando o todo que, por momentos, nos sentimos relaxados suficientemente para encostar ainda mais o acento e preparar-nos para uma sessão de viagem interior. Afinal o bilhete já está pago.

E como em tudo na vida a imagem da figura intocável, do supra-sumo do saber, perde imediato desinteresse quando é colocada em contraposição com a ambição, a crença no diferente e, sobretudo, a ousadia do pensamento alternativo que preconiza Carl Jung encarnado em Michael Fassbender (ou será ao contrário). Não só ele é o protagonista da obra como também acaba por ser o protagonista do ideário visual que rodeia um filme onde o seu bigode é tão importante como o voo da câmara sobre o seu barco à vela. A imagem de Fassbender, num ano inesquecível, transmite esse desafio que o convencional (Freud, a estética, o movimento de camara) não entende totalmente. Ao mergulhar preferencialmente em Jung o que Cronenberg faz é recuperar o seu velho ideário de protagonistas desafiantes perante o estranho, o original, o proibido...cada sequência com a virginal esposa (essa voluptuosa Sarah Gordon, um verdadeiro turn off visual que só Cronenberg seria capaz de desenhar) entra em conflicto com os gritos histéricos de uma Keira Knightley mais absorvida do que nunca nessa estética que tanto seria capaz de levar a um Jung qualquer a rasgar tratados clássicos e desenhar novas formas de entender o prazer. Nesse ódio físico e atracção psicológica se tece a teia de um filme que arranca morno, adormece morno, sobrevive morno e paradoxalmente não deixa de ser extasiante.

 

A Dangerous Method é sobretudo uma obra de perguntas sem resposta, de dilemas sem solução. As figuras imutáveis e históricas têm pouca autonomia própria e vão desenvolvendo ao ritmo de mestre de cerimónias de um Cronenberg que tem uma atracção inevitável pelo conceito do limite. Se por um lado a narrativa nos parece profundamente convencional a verdade é que é difícil de imaginar uma história tão provocadora como a do trio Freud-Jung-Spielrein nos tempos de então. Se isso não é suficiente para desfrutar de um realizador que maneja os ritmos e sensações como ninguém, há também o mais mefistofélico Vincent Cassel de sempre e isso deveria bastar. Fica para o fim porque o melhor se guarda sempre para o último momento.

 

Classificação -

 

Realizador - David Cronenberg

Elenco - Michael Fassbender, Viggo Mortense, Keira Knightley

Classificação - m/16

Productora - Prospero Films

Categorias:

Autor Miguel Lourenço Pereira às 14:22
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