Há filmes que sabem medir os tempos, controlar os ritmos de forma a que a narrativa sobreviva aos desajustes temporais com uma coerência especial. Mas a verdade é que a maioria desses filmes são aves raras e Drive, seguramente, não pertence a esse lote. Nicolas Winding Renf alterna as Valquirias de Wagner com as sonatas de Chopin e transforma um thriller convencional num filme esquizofrénico.
Num arrojo provocador quase godardiano, Renf tenta fazer um filme europeu à Hollywood e acaba por ter um filme de Hollywood à europeia. A cadência ritmica de Drive desespera tanto como o mais lento e previsivel dos dramas de Rivette e as espantosas cenas de acção que culminam a grandeza quase épica da narrativa lembram ao melhor Brian de Palma. No meio de correntes tão distintas era inevitável que Drive não fosse o que é, uma amalgama de sobreposições incoerentes que oscilam entre o verdadeiramente belo e o implacavelmente aborrecido. Aguentar Drive é um puro exercicio de estoicismo recompensado de tempos a tempos com uma prenda singular, mas limitada. Ryan Gosling funciona como esse vector pontual que deixa pistas do que o filme poderia ter sido e nunca é. Em cada suspiro, cada silêncio, cada esgar eterniza essa agonia que pede a gritos um filme diferente para um actor assumidamente fora do que habitualmente Hollywood procria e estimula. Depois de The Notebook, Half Nelson, Lars and the Real Girl e Blue Valentine restam poucas dúvidas sobre o papel de Gosling como um dos principes consortes do meio, reforçado pelas estelares performances e pelo seu jeito de Gary Cooper pós-moderno que tanto atrai ao povo americano. Como um herói tranquilo, a expressão facil de Gosling revela-se praticamente inalterável perante a catarsis destructiva que o rodeia e que começa numa inocente boleia para casa e acaba num por-do-sol sugerente.
Renf articula Drive como uma narrativa circular onde o fim é tão ambiguo como o principio e como o miolo de uma história onde nunca se explica e onde poluluam personagens tão ambiguas como desnecessárias. Pequenos protótipos estereótipados do cinema de gangsters formam o circulo que rodeia o lone ranger moderno, sem cavalo mas com um carro preparado para responder nos momentos de maior tensão, e aprofundam ainda mais essa sensação de vazio que o filme deixa no seu previsivel final. Drive fala em conduzir, na arte de conduzir, mas mostra muito pouco sobre aquilo que muitos esperavam. Talvez Renf pense noutro contexto, nessa condução de vidas rumo a um destino tão incerto como inevitável, repleto de referências cósmicas, desarmadas pela incoerência do ritmo cadenciado que apresenta e despede personagens com a facilidade de um pack de extras da Hollywood dos anos 20.
Todos se apagam entre a espantosa sonoridade, a belissima fotografia e o hermetismo gritante de um nucleo central que parece planar sobre o filme como uma assombração sobre o destino dos mais comuns mortais.
Em Drive confluem todos os condimentos para que se crie um bom filme, do elenco ao trabalho técnico passando por uma história corrente e facilmente adaptável que o cinema americano nos brinda com regularidade. Falhou Renf na sua abordagem e apesar dos destelhos de génio evidentes ficou a certeza de que as pulsações por segundo de cada frame Drive são tão incertas que nunca sabemos quando o coração do filme vai parar...
Realizador – Nicolas Winding Renf
Elenco – Ryan Gosling, Carey Mulligan, Albert Brooks
Classificação – m/16
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