Depois de 28 anos João Bénard da Costa diz adeus à Cinemateca.
A notícia, divulgada na imprensa de hoje, teria inevitavelmente de suceder. Aliás, já devia ter sido dada há quatro anos, quando o director chegou ao limite de idade legal para poder manter-se em funções naquela que é, supostamente, a casa nacional do cinema. Mas não o foi na época pelas pressões que a “inteligentsia” do meio automaticamente lançou sobre a ministra da Cultura de então. Foi hoje, segundo consta, por motivos de saúde.
Em primeiro lugar é preciso ressalvar que Bénard da Costa é um grandíssimo cinéfilo. Indiscutivelmente, é um dos maiores especialistas de cinema vivos em Portugal. Uma formação abrangente e clássica, um olhar crítico e uma paixão inquestionáveis, sempre foram a sua principal imagem de marca. Os seus escritos nas sinopses dos filmes que programava eram o deleite para os espectadores. Os livros que publicou, uma leitura obrigatória para qualquer cinéfilo. E as suas participações nas fabulosas colecções (especialmente de cineastas) criadas pela Cinemateca, marcos da escrita sobre cinema em Portugal.
Ou seja, que se fosse apenas e só pelo apartado cinéfilo, o Cinema subscrevia qualquer moção que o eternizasse no posto que desempenho desde 1991, depois de ter passado onze anos como sub-director. Vistas as coisas, desde 1980 Bénard da Costa é praticamente o sinónimo, em Portugal e no Mundo, da Cinemateca. E é aí que começa a raiz do problema, um problema gordo que necessita uma solução urgente. E que pode aproveitar esta conjuntura para dar os passos necessários face a uma verdadeira (e necessária, repito) democratização do cinema em Portugal.
Ao longo destes últimos 28 anos Bénard da Costa programou alguns dos melhores ciclos vistos na Cinemateca. Ajudou a remodelar e a dar o nível que merecia ao centro com o maior espólio cinematográfico do país. Mas o pensador, crítico e cinéfilo cometeu o pecado capital que parece ser imagem de marca de qualquer representante de um alto cargo nacional: transformou um centro português num centro exclusivamente lisboeta.
É impossível hoje falar da Cinemateca e juntar-lhe em seguida “Nacional”. Um mínimo de honestidade intelectual, por favor. A Cinemateca é tudo menos nacional. Está programada, concebida e publicitada para o público da grande Lisboa, que é, efectivamente, aquele que acude às sessões em Barata Salgueiro. Não houve, nunca, neste consulado eterno, o mínimo interesse em levar o cinema ao país. Nem com a criação de pólos, nem de ciclos itinerários. Nada, absolutamente nada. Para os cinéfilos do resto deste pequeno país, sobravam os poucos cine-clubes que ainda sobrevivem e algum que outro cinema mais independente, capaz de arriscar projecções de clássicos que hoje parece que só se podem ver em DVD.
Há cerca de tres anos começou a insistir-se (e tarde, como sempre) na criação de um pólo da Cinemateca “Nacional” no Porto. A segunda cidade do país (ao contrário do que acontece, um pouco por toda a Europa) limitava-se a breves e pontuais exibições de clássicos em espaços como a Casa das Artes (entretanto desactivada), no cinema Passos Manuel ou no Cine-Teatro Campo Alegre. Mas tudo sem qualquer ajuda da instituição paga com o dinheiro de todos os contribuintes. E não só dos da capital.
Resulta que polémica após polémica, lá veio o novo ministro anunciar a criação de um centro da Cinemateca (que não um pólo), na Invicta, lá para 2009 (não se sabe nem quando, nem onde), com a parceria da Câmara e da Fundação de Serralves. Desses lados há vontade, mas não se sabe, nem se diz nada mais. E tudo continua em banho-maria. Promessas, e ainda por mais em ano eleitoral, não deixam de ser promessas. E nesta área já foram tantas, que já nem há dedos para contar.
E tudo isto porque, ao largo destas quase três décadas, este grande cinéfilo que foi um óptimo director local e um péssimo gestor nacional (afinal o cargo é nacional, não?), sempre se empenhou em manter a sua colecção quase como um feudo particular, para os “amigos”. E o país que visse o cinema em casa, depois de comprar o respectivo DVD. Ora resulta que a democracia quando vem, deve vir para tudo e para todos. Até para o tão abandonado mundo do cinema. E o cinéfilo do Porto (e de Braga, e de Coimbra, e de Aveiro, e de Faro, …) tem tanto direito como qualquer outro a poder ter, na sua cidade, ciclos de cinema clássico comprado e mantido com o seu dinheiro. Não quer isto dizer que se espalhe o espólio pelo país, não é preciso chegar a extremos. Mas que exista a boa vontade e o interesse de levar aos quatro cantos deste Portugal o que de melhor se viu na história do cinema mundial.
É por isso que a Cinemateca se chama Nacional. É por isso que urge uma revolução rápida na estrutura deste centro (Pedro Mexia, o número dois de Bénard da Costa nos últimos anos, é a solução interina anunciada mas não é, de todo, a solução necessária). E é por isso, e acima de todas as coisas, que qualquer amante do cinema nacional, por muito respeito que tenha ao crítico e cinéfilo, pode hoje regozijar.
Por uma vez, a noticia é boa. Por uma vez (finalmente) poderemos dizer, “Adieu Bénard!”.
Miguel Lourenço Pereira
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