Terça-feira, 13 de Janeiro de 2009

Waltz With Bashir - Contar a realidade com lápis e papel...

Documentário animado. Sim, isso mesmo!

Num mundo onde até já os telemóveis servem de câmaras de filmar improvisadas, não espanta ninguém que Ari Folman, o cineasta israelita que viveu a história narrada em Waltz With Bashir, tenha decidido plasmar a sua experiência com lápis e papel. Não se pode tratar este filme como um filme de animação, na mesma estela que o cinema da Pixar, Disney, os mesmo dos produtores asiáticos ou europeus. Aqui a animação é apenas um recurso para narrar uma história real e vivida na primeira pessoa. O traço, realista e extremamente exacto no mínimo detalhe, é para Folman o mesmo que o nevoeiro foi para Alan Resnais quando este inventou essa genialidade que se chama Nuit Et Bruillard há já mais de cinquenta anos. E é bom saber que, passado tanto tempo, nem o passado é esquecido, nem o futuro se reinventa.

A forma é importante – por muito que a critica insista mais na mensagem do filme do que na sua concepção – e é a estrutura deste aterrador documentário que mais fascina. Pela sua simplicidade e pela sua brutal honestidade. Waltz With Bashir vive nesse limbo artístico onde muitos projectos nascem e morrem. Mas sobrevive. Qual guerrilheiro no meio do deserto. Desde os dias de Dali que o desenho sempre foi um dos mais interessantes plasmas dos sonhos (e pesadelos), e aqui, são os sonhos de Folman e dos seus antigos camaradas de armas, que vão ganhando forma. E que transformam uma sucessão de relatos presenciais (de todos os episódios, só dois são inventados, o resto é tudo baseado em feitos verídicos), numa assustadora história bem real.

 

O Bashir da valsa era o líder dos falangistas do Líbano, recém-eleito presidente em 1982, que acabaria por morrer assassinado às mãos dos fundamentalistas palestinianos que tinham feito do país a sua base militar. A vingança daqueles – com o apoio explicito do exército israelita que tinha recentemente invadidado o país – foi um dos maiores massacres da história do Século XX. O que sucedeu nesses dois dias nos campos de refugiados palestinianos de Sabra e Chatila foi algo que envergonhou os que nele tomaram parte. Pessoas como Folman, rapazes então, que pegaram em armas para matar os inimigos de Israel, mas que, depois, simplesmente apagaram da memória essas imagens. Este filme expia esse pecado através de um recuperar de lembranças aleatórias que, juntas, vão dando forma ao pesadelo. A maestria de Folman, o narrador nunca mencionado, em conjugar as histórias, só encontra paralelo na forma como narra os eventos. Aqui não há bons, aqui não há maus. Morreram muitos inocentes, mas o sangue escorreu de ambos os lados. E a luta que começou muitos anos antes viria a prosseguir até aos telejornais de hoje. E face a essa realidade, a dos genocídios passados, presentes e futuros, a visão do cineasta vai-se desenrolando à base de várias personagens que partilham o mesmo problema: todas apagaram (ou tentaram) as memórias desses eventos. Por culpa, por necessidade de acreditar que a vida eram mais discotecas e saídas do que bombas a explodir e corpos a sangrarem-lhes nos braços.

 

Este exército de procura da memória leva a descobrir uma verdadeira geração perdida em Israel. Já não são os exilados que tomaram a terra à força depois do Holocausto, ou os seus filhos directos que defenderam as fronteiras do estado judio. São a terceira geração, que nada quer saber da guerra e que apenas quer viver como qualquer jovem do mundo. Atirados contra as cordas, eles participam. Mas não se enorgulhecem. E por isso procuram esconder a memória num canto escuro. Mas os fantasmas da noite estão aí e por isso este filme funciona mais como uma catarsís colectiva geracional do que um exercício de expiação de culpa individual. No final de contas, é um filme tão realista como o telejornal da manhã, porque se apoia no olhar de quem realmente esteve aí. Mas a sua dimensão poética é omnipresente, dando a cada instante a sensação de que este é apenas mais um desses sonhos onde os cães começam a correr e o precipício abre-se sobre os nossos pés.

 

Classificação – 

 

Realizador – Ari Folman

Productora – Bridgit Folman

Classificação – m/16

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Autor Miguel Lourenço Pereira às 04:59
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