Numa conferência de imprensa Kathryn Bigelow explicou que, o que a atraía nesta história que dá forma a The Hurt Locker, é a realidade da presença militar norte-americana no Iraque. Muitos são voluntários, puxados pela adrenalina do risco. Da morte. Da necessidade de escapar à ao vazia do quotidiano. O seu belíssimo filme é sobre isso mesmo. Sobre a necessidade de recuperar a sede de viver. Nem que seja através da morte.
É duro assistir a uma morte sem reagir. Pior é quando isso se transforma num hábito. Num duro hábito que é também, por outro lado, uma injecção de vida inesperada. The Hurt Locker começa pelo fim. Apesar de termos de esperar duas horas para ver o que já nos vamos apercebendo. A vida, o quotidiano consumista e urbano de hoje, alieniza qualquer mente livre. Prende-o numa camisa de sete varas e asfixia-o. Até ao fim. Num mundo controlado ao limite só existe um verdadeiro escape: a guerra.
A atracção fatal que o conflito armado exerce hoje não é muito diferente de outras épocas. As Cruzadas, que tiveram lugar bem ali ao lado, resultaram também da necessidade de escape que muitos nobres europeus, sem terras nem dinheiro, tinham de sentir a vida. Hoje milhares de soldados alistam-se voluntariamente. Têm medo de morrer. Mas têm mais medo de viver. Medo da responsabilidade e do compromisso. Pavor de existir sem serem alguém. A guerra dá-lhe importância. Dá-lhes o sabor da vida pelo fio da navalha.
Esse imenso exercicio humano em que se vai tornando The Hurt Locker é o espelho da loucura humana. O eixo de toda a narraitva tem nome e apelido. William James, sargento. Um desesperado pela vida. Um rival digno da morte. Catalizador do drama que envolve a pequena companhia de desarmadores de bomba, ele age como se não tivesse nada a perder. A familia, para ele, tranformou-se num encargo que não está disposto a suportar. A vida nos States perdeu todo o atractivo. O duelo a vida ou morte que trava com cada dispositivo que tem de desarmar transforma-se na sua razão de viver. Cada dia é uma derrota ou uma vitória dependendo dos mortos que consegue evitar. Dos vivos que vê ao longe. A relação que trava com um jovem iraquiano transforma-se no espelho do seu próprio desespero. Ali ele vê vida. Ali ele desespera-se com a dor da morte. Não é a morte de um soldado ou a ferida de um colega de serviço que o comove. São os outros, os desesperados como ele para viver, quem lhe conseguem tocar bem lá no fundo. Ele é todo o coração. Ele é toda a dor.
Jeremy Renner é absolutamente electrizante como William James nesta filme que Bigelow orquestrou de forma sublime. É dificil conseguir captar de forma tão crua e realista a dor da guerra. A cineasta logra-a de forma sublime em cada explosão, cada morte, cada interrogação. A vida é um bem demasiado precioso para se manter naquelas areias sem fim. O filme, brilhantemente redigido, maravilhosamente dirigido, é também um filme de actores. Abre Guy Pearce, por breves instantes cruzamo-nos com Ralph Fiennes, acompanhamos a angústia de Anthony Mackie e Brian Geraghty mas toda a acção existe à volta de Renner. O actor que surgiu, pela primeira vez no longinquo Lords of Dogtown, enche o ecrã como poucos actores lograram este ano. Uma performance que ganha com cada olhar e gesto. Por ele paira toda a vida. Por ele surge toda a morte.
The Hurt Locker é paradoxalmente o filme mais cotado e o menos visto no mercado americano. É normal. Quem vai ao cinema são precisamente aqueles que preferiram ficar. Os que se renderam ao espartilho. Deve doer ver-se reflectidos, ainda que indirectamente, no grande ecrã. A obra-prima de Bigelow muito provavelmente sairá do Kodak Theater com um par de Óscares na mão. Mas como pensaria William James, isso são apenas caixas de cereais numa longa prateleira. A vida sopra mais depressa quando o vento também traz consigo a morte.
Classificação -
Realizador - Kathryn Bigelow
Elenco - Jeremy Renner, Anthony Mackie, Brian Geraghty
Productora - 20th Century Fox
Classificação - m/12
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