O ano novo que agora arranca lança também uma vez mais o eterno debate da pirataria de obras culturais, situação que envolve profundamente os sectores da indústria cinematográfica. A habitual hipocrisia governamental, capazes de manobrar a vida do cidadã-comum a seu antojo (veja-se legislação anti-tabaco) prepara-se para ganhar nova forma com um paquete de leis que se prevê transversal nos principais países europeus, mas que conta com o posicionamento claro da opinião pública. A tamanha hipocrisia ganha especialmente forma quando, progressivamente, os preços das entradas para qualquer espectáculo vão subindo a valores proibitivos, as ajudas governamentais ao sector continuam pujantes e os salários dos principais intervenientes sobem a números insultantes para a maioria da comunidade civil. E no entanto, o termo pirataria, já de si coloca o perigoso sentido ético no meio de um debate vazio em tudo, menos em falsos moralismos.
Que é piratear um filme? Que é atentar contra o direito de um autor, seja esse autor um músico, cineasta, productor ou quem quer que seja?
Hoje em dia as descargas de productos culturais, e ficamo-nos pelos filmes que é o que realmente nos importa, está a atingir os seus valores máximos. A resposta da indústria - e de alguns autores priveligiados - é o confronto. Legal, amparado por uma legislação feita por muito poucos para proporcionar lucro a um grupo ainda mais restricto. Nesse confronto será dificil aos espectadores-internautas vencerem. O legal é quase sempre imoral e esta realidade não é excepção.
A indústria cinematográfica vive, sobretudo, uma crise de ideias. Apostas em productos fáceis, não necessariamente caros e com retorno imediato. Retorno que aumenta exponencialmente quando entra em jogo o mercado de DVD e, posteriormente, a venda para o circuito televisivo, hoje quase tão imediato como o lançamento da própria edição em disco. É nesse mercado paralelo que as productoras realmente encontram o seu lucro. Porque hoje ir ao cinema é uma autêntica odisseia. E não nos esqueçamos. O preço do bilhete de cinema é o que é - ou exagera no que devia ser - pela experiência em si. Pelo som, pelo ecrã, pela qualidade do acento, pelo ambiente que se cria. Por tudo menos pelo filme. Esse, na maioria dos casos, pode ser visto e muitas vezes é-o, noutros cenários, noutras plataformas, e sobrevive. A experiência fica pelo caminho. E com a realidade económica actual só realmente vai ao cinema aquele que procura a experiência de ir. O cinema de massas, como concebido por Hollywood nos anos 30, como objecto de escape, já pouco apela ao espectador que sabe que o producto o vai encontrar à venda em poucos meses para consumir em casa ou directamente no televisor pouquissimo tempo depois. Os internautas limitam-se a antecipar o processo e cortam no lucro de produção, não na liberdade dos autores.
Parece indignante ver alguns autores - e em Espanha o debate ganhou esta semana nova forma com vários actores e cineastas a criticarem os espectadores internautas com a reprovação no parlamento da lei Sinde - protestar contra esta realidade.
Estamos a falar, em muitos casos, de elementos que actuam, dirigem e produzem obras que são subvencionadas pelo próprio Estado. Muitos pagam a uns poucos para fazerem filmes que verão ainda menos. Essa tendência europeia de subsidiar o cinema é um dos principais motivos do atraso da Europa face aos demais continentes que já perceberam a mecânica social que implica a produção cinematográfica. A existência de ICAM´s e organismos do género, sempre aptos a apoiar projectos "amigos", traz a burocracia e compadrio politico ao universo da arte. Uma gestação já de si perturbadora o suficiente para depois dar direito a uma reclamação moral por parte de quem não a tem. Como a ministra da cultura espanhola, a argumentista Gonzalez Sinde, que subvencionou com um milhão de euros como ministra um filme da qual o argumento é da sua total autoria. Um filme que, já por si, recaudou 3 milhões de euros em bilheteiras apesar de ter sido o grande sucesso comercial espanhol nas descargas virtuais. A autora da lei que criminaliza esses piratas esquece-se do incompreensivel tráfico de influências que permitiu ao filme, inicialmente, passar a fase de produção.
E como esse exemplo, tantos outros. No caso português são gritantes os casos de António Pedro-Vasconcellos e João Botelho que, incapazes de financiar os seus próprios projectos, escudam-se no porreirismo estatal para garantir que continuam no activo, apesar do relativo desinteresse público às suas obras que, ultimamente, procuraram no sexo fácil o chamariz de uma bilheteira que continua a olhar de soslaio para o cinema pátrio. Em vários países da Europa a situação repite-se, de Tornatore em Itália a de la Iglesia em Espanha, criando um ciclo fechado onde o dinheiro público cai sempre nos mesmos bolsos que acabam por ser, paradoxalmente, os que depois reclamam a penalização do espectador internauta. Em Hollywood, onde as descargas significaram um profundo retrocesso no ritual de ir às salas de cinema, o problema tem outra dimensão. Os filmes pirateados são-no, essencialmente, para um público que não pode ver in loco os filmes em questão. Ou porque as estreias são reduzidas (o mercado americano de distribuição está repleto de paradoxos) ou porque são espectadores internacionais que querem antecipar, em semanas, as estreias previstas para a sua terra natal. Os grandes blockbusters continuam a gerar milhões, o cinema animado e familiar está em crescimento e a perda significativa nota-se no cinema indie e mainstream dramático. Mas aí a pirataria é a menor das culpadas. Os preços, horários, fecho de salas centricas e, sobretudo, a emergência do mercado DVD a um preço acessível travou a ida regular de vários espectadores ao cinema. Esses são, provavelmente, os que menos recorrem ao filme pirateado. E acabam por ser, em grande parte, os grandes ausentes neste debate.
E voltamos ao cerne de quem defende a lei da criminalização da pirataria. Muitos falam no direito de autor violado. Mas direito de quem?
Do cineasta, actor, productor, argumentista ou técnico que já foi pago previamente e que não vê afectado os seus rendimentos? Porque os salários por prestação do filme no box-office são cada vez mais raros, esses grandes nomes que se aliam contra a causa da democratização do cinema fazem-no mais por compadrio do que por sentimento de injustiça. Da mesma forma que o filme estará a repetir-se, vezes sem conta, no circuito televisivo gratuito anos sem fim (não foi It´s a Wonderful Life resgatado do anonimato pela televisão gratuita?), também a internet permite um acesso a todos de um producto acabado e em nada vilependiado. Pior serviço contra os direitos de autor fazem os espanhóis, franceses, italianos ou alemães que dobram todos os filmes estrangeiros, danificando directamente o producto final oferecido e o respectivo direito de autor e actor a ver a sua obra reproduzida fielmente. Mas isso, como é uma indústria paralela que gera dinheiro e emprego, continua a ser um tema tabú. A pirataria, como não gera lucro, nem para productoras nem para os cofres do estado (como muito para as empresas telefónicas que ganham com o volume de descargas nos seus servidores), rema contra a corrente do falso moralismo e do politicamente correcto.
Um espectador que descargue um filme e fique impressionado por um actor, argumentista ou director e se passe por uma loja e compre um dvd onde estes apareçam está a contribuir, indirectamente, para o sucesso da indústria. Mas esse mesmo espectador, sem essa liberdade de escolha, e com os preços proibitivos do mercado (em Londres o preço de um bilhete ronda os 12 euros, em Madrid os 8, em Roma os 9 e em Portugal já ultrapassou os 5 em alguns locais), talvez nunca tivesse oportunidade de o ver e de descubrir uma nova oportunidade. Mas aqui o importante é o lucro e nada mais. O lucro das equipas de produção, dos milionários de serviço que ocupam neste debate o mesmo papel que os gestores bancários, os principais responsáveis politicos ou os empresários mais elitistas. O circulo do dinheiro é fechado e quem o ousa debater sabe que terá, contra si, toda uma máquina habilmente preparada com muita lei e pouca moral.
Descargar filmes faz parte da consciência de cada um. Os que valorizam a experiência cinematográfica acima de todas as coisas têm a tendência em menosprezar o cinema pirateado. Não o devem fazer. Ambas as realidades podem coexistir num mesmo cinéfilo, que procura coisas diferentes de dois productos pouco similares. Piratear um filme devia ser um direito, não uma cruz. Não há, nem haverá nunca, perdas suficientes para justificar esta corrente persecutória. Talvez essas indústrias paralelas de dobragem, esses dinheiros estatais ou esses lucros excessivos, producto do circuito de distribuição sejam a verdadeira pirataria. O resto é apenas sobrevivência. Como em tudo neste Mundo...
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