Depois de assinar uma série de filmes praticamente imaculados, Clint Eastwood consegue em Hereafter retroceder largos anos na sua notável carreira. Filme fraco a todos os níveis, significa também uma concessão do cineasta ao facilitismo argumentativo a que sempre soube escapar com audácia nos filmes que marcaram os momentos altos da sua cinematográfia. Nesta viagem a um universo se dúvidas metafísicas, o caminho faz-se de sombras e esteriótipos que não casam com a forma e estilo de um realizador que sempre soube explorar bem a faceta mais humana da vida.
Há uma confrangedora sensação de piloto automático que acompanha toda a longa e exasperante duração de Hereafter.
Clint repete-se até à exaustão numa história de vidas cruzadas que não funciona por base e que se extrapola por defeito num quebra-cabeças tormentoso e inoquo. Três vidas unidas pela morte que mergulham num final feliz que faz pouco sentido no meio de tanta dor, paliada até ao tutano por um abre-latas emocional que só aparece quando menos se necessita. A frieza moral e emocional das obras mais negras do realizador desaparece por completo do argumento pobremente assinado por Peter Morgan e do estilo de camara que adormece a narrativa, já de si explorada até ao inimaginável por uma banda sonora que relembra melhores dias mas que quadra pouco com a trama base que nos atira para este filme mosaico rachado em três.
Há uma pivot televisiva que sobrevive a um tsunami no sudeste asiático. Um adolescente londrino que se depara com a morte do irmão gémeo. E como elemento de união - pobre união de facto - um medium americano que não aceita a sua condição e que só quer viver uma vida normal. Os três caminham, sem saber, na mesma direcção para acabar por se encontrar, contra todo o prognóstico, numa feira livreira no coração de Londres. E já está. Tal e qual.
Cada filme dentro do filme podia existir por si só. Os três, em conjunto, perdem a força e emotividade que se podia esperar de uma obra assinada por aquele que é, sem dúvida, o mais completo cineasta actual. Se a história se centrasse no personagem de Matt Damon, num dos seus desempenhos mais sonrojantes, poderiamos ter um verdadeiro filme eastwoodiano, onde a solidão (sobre-explorada a cada plano) e a negação da sua própria existência encontra no filme os melhores momentos quando este se cruza no caminho de uma hiper-activa Bryce Dallas Howard. Essa natureza de negação individual choca com o resto do filme, motorizado por uma busca constante por algo que nunca é verdadeiramente esclarecido. Em certo forma, Clint Eastwood aproxima-se de outro dos seus filmes mais fracos, Midnight in the Garden of Good and Evil, outro filme que lidava com a vida para lá da morte e o universo paranormal, mas num registo bem menos sério e, portanto, mais facilmente suportável.
Aqui, pelo contrário, a história leva-se demasiado a sério e borda o ridiculo em variadas sequências que acabam por apagar os poucos bons momentos de suspense ou emoção com que nos deparamos pontualmente. Ficamos sem ter dois pontos de vista, duas explicações distintas sobre o mesmo. Somos forçados a acreditar na inevitabilidade do contacto com o mundo dos mortos, no poder de influência que estes mantêm sobre os vivos e na fatalidade que pauta o dia a dia de cada um dos protagonistas.
No final Damon e De France, o medium e a jornalista crente, encontram um amor que lhes é negado quando, precisamente, o amor, é o único aspecto que não faz sentido nesta história de crenças e experiências individuais com toques do sobrenatural. Sem trama a que se agarrar o filme só podia sobreviver se a direcção e as interpretações estivessem a bom nível. Mas nem aí nos deparamos com o nosso dia de sorte. Clint Eastwood está amorfo, sem imaginação e, principalmente, sem vontade de inovar. E a troupe do elenco é mais cinzenta ainda, desde um inimaginativo Damon a uma inexpressiva De France, passando pelo ar soturno dos irmãos McLaren. Pouco falta para Hereafter mergulhar o espectador num profundo estado de desespero.
No meio de tudo isto fica a sensação de que Eastwood não deu apenas um passo em falso. Após o genial Gran Torino (que culminou uma década perfeita, desde os dias de Bloodwork) fica a sensação de que, como todos os grandes de Hollywood (Wilder, Hawks, Ford, Capra, Copolla, Ray, Wyler e afins) se prepara para entrar na fase final da sua carreira com um ritmo mais contemplativo e, portanto, menos captivante. Um filme que pode ser apenas ou um hiato ou um sinal do que se possa esperar num futuro próximo. O certo é que Hereafter entrará na galeria dos projectos falhados de um realizador que, por muitos mais filmes do género possa vir a assinar, não deixará nunca de fazer parte do panteão dos maiores.
Realizador - Clint Eastwood
Elenco - Matt Damon, Cecille de France, Frank McLaren
Productora - Warner Bros.
Classificação - m/12
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