No mesmo dia calaram-se, para a eternidade, dois dos grandes vultos interpretativos do periodo dourado do cinema americano e europeu. Ambas tiveram carreiras curtas e certeiras. E ambas foram tremendamente populares junto do pública e olhadas sempre com desdém pela ácida critica.
Jane tornou-se celebre pelos voluptuosos peitos. Os mesmos que captivaram, justificadamente, o olhar de Howard Hughes. Nos seus tempos livres o milionário até construiu um soutien especial para ela, para potenciar ao máximo a sua imagem carnal no filme que produzia e que dela faria um icone sexual dos anos 40. Mas Jane nunca usou esse soutien moderno. Nem em The Outlaw, onde cada plano deixava o público masculino a suspirar e a comissão Hayes a protestar, nem nunca. Até nisso se reinvindicava como uma mulher livre.
Longe de ser uma prima-dona, Jane Russell aceitou sempre o seu papel dentro da indústria. Vendia a sua imagem porque sabia que quotizava mais alto que o seu talento dramático, que também o tinha. Ao lado de Marilyn Monroe aceitou ser a despeitada morena pelos Gentlemen Prefer Blondes, mas mesmo assim era o seu ritmo quente e seguro que ganhava no mano-a-mano com a quase inexpressiva Norma Jean Baker. Depois dessa grande êxito - o seu maior nas bilheteiras - e de umas divertidas comédias com Bob Hope, Bing Crosby e Frank Sinatra retirou-se progressivamente do grande ecrã. Havia outros peitos mais novos à frente nas listas dos productores e com a consagração do "método" os seus dias pareciam cada vez mais distantes. Soube sair quando a sua imagem pública era ainda a mesma que ostentava nos filmes que a celebrizaram. E o seu retiro, real e emocional, foi tão tranquilo como o seu passo por Hollywood. Tornou-se activista da direita conservadora californiana e - talvez por isso - a critica pareceu contente em mantê-la afastada dos icones e das divas que recordavam, ano após ano, como as grandes do seu tempo. A morte da mulher que ajudou a definir o conceito de decote como objecto de desejo sexual numa era de multiplas proibições , depois de uma gala dos Óscares para a qual nunca foi nomeada, é também mais uma morte nessa imagem etérea dos dias sagrados de Hollywood.
Do outro lado do Atlântico chora-se também mas, inevitavelmente, com menos dor.
Dor padeceu, durante largos anos, a mete de Annie Girardot, provavelmente uma das grandes actrizes gaulesas da história. Como Russell, a imprensa e os realizadores da época - a escola da Nouvelle Vague - desconfiavam do seu olhar, do seu corpo, da sua popularidade. E foi fora de França que se encontrou consigo mesma. Depois de trabalhar com Jean Cocteau - que dela disse ser uma luz incandescente a todas as horas - a rapariga dos olhos grandes e cabelo curto encontrou em Visconti o seu protector. No maravilhoso Rocco i sui Fratelli transformou-se numa sofridora amante com destino trágico e ajudou a moldar o pano de fundo de uma das mais belas e pungentes histórias do cinema italiano. Aí conheceu Renato Salvadori, seu assassino, seu eterno amor, e daí partiu para o estrelato europeu que raramente encontrava ecos em França onde as Bardot, Karina, Deneuve e Hardys pareciam tomar a dianteira.
Perdeu-se em anos até que reencontrou Vadim - depois de este deixar a bela Birkin - e Monicelli, os autores que melhor a compreenderam. E o público francês começou a redescubri-la. Talvez demasiado tarde. Quando recolheu o seu César por Les Miserables, do pós-Nouvelle Vague Lelouch, recebeu aplausos entusiastas mas a memória falhava-lhe. O alzheimer já atacava e anos depois, com novo triunfo como secundária de Huppert em La Pianiste, a doença já tinha tomado quase controlo total da sua lembrança. Demorou, o sofrimento foi largo, mas a mulher que sobreviveu sem o cinema francês - e o cinema francês, surpreendentemente, sem ela - a mulher dos olhos mais fascinantes do hexágono, finalmente deixou de ter de se preocupar por não se lembrar de nada. Lembramo-nos nós, por ela, eternamente.
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