Quando um grande nome do cinema morre o habitual é recorrer ao obituário escrito há largos anos, preferencialmente omitindo o lado mais negro e obscuro da vida da celebridade em questão. Hoje muitos lembrar-se-ão da grandeza interpretativa de Elizabeth Taylor, talvez a última grande representante da época dourada que viveu Hollywood nos anos 50 e 60. Também esquecerão os seus defeitos, problemas com alcool e drogas, casamentos e divórcios e confusões nos sets. A morte tem esse condão, humaniza todos sem deixar de tratar os que partem como seres quase impolutos. Mas poucos se lembram do que realmente Taylor significou. Para mim foi sempre uma lufada de ar fresco. Hoje partiu a minha actriz favorita, o meu icone sexual por excelência da história do cinema norte-americano. E isso, por muito egoista que pareça, torna-se mais importante do que todas as homenagens que lhe possam fazer.
Liz Taylor era morena numa época onde quase todos se afirmavam como loiras, como estrelas platinadas.
É talvez o único caso real de uma actriz juvenil transformada numa actriz adulta. De verdade pelo menos, que os demais casos palidecem em comparação. Tinha umas curvas monstruosamente seductores, um sex-appeal que começava naqueles olhos penetrantes e acabava na forma redonda das pernas sem fim. Hoje em dia, numa era onde a magreza continua a ser fashion, dificilmente encontraria lugar. Naquele tempo, onde o salto não se tinha dado ainda por completo (mas estava quase, quase), era um espelho de uma época que não voltaria. Taylor cresceu, engordou, perdeu aquele ar de beleza e progressivamente deixou de ser actriz nos filmes para passar a ser actriz no dia a dia. Essa não me interessa. Nem a dos casamentos com productores, actores e jardineiros. Essa não era nunca a minha Taylor e ela não tinha porque o saber. A minha, a que me acompanhava na mente religiosamente mais do que todas as actrizes em carne e osso da minha era, era a Maggie the Cat. A Angela Vickers. A Leslie Benedict. A Catherine Holly. A Gloria Wandrous. A Cleopatra...
Todas elas profundamente femininas. Todas elas mulheres de um imenso caracter, incapazes de se curvar ao macho-alfa dominante de turno (e eram muitos e bons, os Clift, Newman, Hudson, Dean, Brando, Burton e afins). E todas elas assumidamente sexuais. Se há algo que Liz Taylor imortalizará para sempre é o seu forte perfume sexual. Na época pura de Hollywood ela desafiava a norma. Dentro e fora do ecrã. Foi uma menina fisicamente precoce e deu muitas dores de cabeça à MGM que por decoro tinha de a vestir com camisolas largas e soutiens mais ajustados que escondessem os peitos proeminentes que a levaram imediatamente a ser conhecidas nos corredores dos estúdios simplesmente como a miss Tits. Depois do seu primeiro casamento, onde chegou virgem e acabou por ser repetidas vezes abusada pelo próprio marido, começou a entender o peso que o sexo jogava em Hollywood. E utilizou-o como poucas. O que Marilyn Monroe fazia de forma dissimulada, com aquele ar tonto com ensejo a ser considerada como uma figura intelectual, Taylor explorava-o até aos limites. Escolhia papeis polémicos, aceitava o que poucas actrizes admitiam e transformava a vida das mulheres dos actores com quem contracenava num verdadeiro inferno. Essa era a minha Liz.
Mas não só de curvas únicas e olhares perdidos na imensidão do desejo se resumiu a minha relação com Elizabeth Taylor.
Acima de tudo estavam as suas memoráveis sequências, as suas explosões numa especie de over-acting feminina dessa escola chamada Actor´s Studio que sempre preferiu colocar a enfâse nos homens que marcaram uma era, de Brando a Newman. Nenhuma soube explorar tanto esse poder de surpresa que lhe dava "o método". A sua doçura inicial (A Place in the Sun) tornou-se em compaixão terna (The Giant) e acabou em desespero absoluto (Cat on a Hot Thin Roof, Suddenly Last Summer e Who´s Affraid Virginia Wolf). Os seus desempenhos entram, facilmente, na galeria dos mais inesquecíveis da história do cinema e apesar de ter vencido dois Óscares (o primeiro graças a um problema de saúde que quase lhe custou a vida quando tinha apenas 28 anos e já era a estrela maior do star-system), podiam (e deviam) ter sido muitos mais. Em Cleopatra, o filme que a eternizou naquela banheira de leite que escondeu o que mais queria eu ver, cobrou mais do que qualquer outro profissional do mundo do espectáculo até então. E acreditem, valia cada dólar que lhe pagaram. Foi o seu zénite como mulher, como sonho de uma quente noite de Verão, um relembrar do seu fato de banho branco ou da almofada na cama. Como actriz, foi o principio do fim. O casamento com Burton garantiu-lhe mediatismo para o resto da vida mas minou-lhe a saúde (o tabaco, o alcool, a droga aumentaram proporcionalmente com as discussões) e depois de Who´s Affraid Virginia Wolf a fonte secou. Ninguém queria dar trabalho a uma dependente de tudo, do alcool ao sexo, e Hollywood estava mais interessado nas novas belezas finas e secas do que nas voluptuosas estrelas do passado.
A minha Taylor morreu algures em 1963 e depois tornou-se num desses fantasmas que povoam Hollywood densamente. São mais os vivos que os mortos. Como os Brandos ou Hudson da sua geração. Não soube envelhecer, não soube reciclar-se, limitou-se a continuar a ser a diva dos ecrãs num mundo que já não a queria. Com o talento e a beleza escondidos num baú, de onde nunca voltariam a sair, tornou-se numa pária. Hoje voltou a ser uma estrela. Assim é que funciona o star-system.
Charles Bukowski, o mais sexual dos escritores americanos, não gostava de Elizabeth Taylor, a mais sexual das actrizes americanas. Eu nunca gostei muito do provocador Bukowski mas nunca deixei de admirar cada recanto do corpo da mulher que transformou o tabu do sexo no cinema uma década antes do "flower power". Nunca precisou da nudez, hoje tão corrente, para mostrar tudo o que tinha escondido. E nunca deixou que uma personagem a impedisse de brilhar. Transformou o cinema numa arte superior com cada grito, cada esgar, cada olhar. Deu outro sentido ao feminismo com o qual Hollywood nunca soube verdadeiramente ligar. Para o mundo dos obituários pré-escritos e para os que nunca perderam um segundo a perder-se nos seus olhos violeta, Elizabeth Taylor morreu hoje, aos 79 anos, vitima de complicações cardíacas. Mas a minha Liz há muito que só existe num recanto da minha mente, de corpo e alma eterna, perdida entre fatos de banho brancos, miados a escaldar e um convite eterno a perder-me no seu fruto proibido.
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