Foi um mercenário para os autores e um outsider para os moguls do dinheiro. Inspirado na figura de Hemingway, talvez o seu grande equivalente literário, John Huston ajudou a definir o cinema norte-americano do pós-guerra e, sem o saber, abriu portas para uma nova escola criativa que daria os seus frutos, 20 anos depois. Numa filmografia entre sol e sombra, Huston foi, de certa forma, o espelho perdido da América.
Quando Clint Eastwood reencarnou o alter-ego criado à volta da figura de Huston no maravilhoso White Hunter, Black Heart, deixou a nu todos os fantasmas que rodeavam a figura do mítico cineasta, falecido pouco tempo antes. Mesmo depois de morto a sua imagem continua a reflectir o espírito de uma época onde a arte e o mercado lutavam a punho nu. Sem concessões.
Huston foi dos primeiros autores a entender Hollywood. E não confundamos conceitos. Capra, Wyller, Stevens, Hawks, Ford, McCarey eram maestros profundamente dotados mas eram, todos eles, filhos do sistema de estúdios. Tinham nascido com eles e contribuído para o seu crescimento. Todos faziam concessões para sobreviver e assumiam-no com a normalidade de um "Im John Ford and i make westerns". Tão simples como isso. Do outro lado estavam os autores marginalizados, os heróis do cinema europeu que ficaram sem espaço e os nomes americanos atirados para a Serie B, que para os estúdios funcionava como uma segunda divisão mas que para eles era uma perfeita prova de ensaio. E uma escola que faria escola. Mas aí estavam eles, longe do público, no seu guetto particular. E no meio estava ele, como Hemingway na literatura, Huston no cinema.
A sua aparição foi surpreendente, a sua consolidação algo natural. Mas a reacção do meio, turva.
Filho de um actor, dotado de um profundo amor próprio e um espírito de iniciativa típico dos netos da conquista do Oeste, Huston passeou pelo Velho Continente, leu muito, pintou, escreveu guiões de sucesso e depois decidiu que queria ser realizador. The Maltese Falcon foi uma prenda caída dos céus que soube agarrar com as duas mãos. Um filme de Serie B, um guião de um clássico do género noir e um elenco sem grandes nomes para o público parecia inofensivo suficiente. Huston transformou a mediania em excelência, transpirou o espirito de Hammett e ajudou a Humphrey Bogart (que conheceu nas filmagens de High Sierra, o seu último sucesso como guionista) a dar o salto final que precisava começando uma larga e frutuosa parceria. Surpreendida pelo êxito Hollywood ficou sem saber o que fazer com um realizador que gostava também de ser bon-vivant, artística e profeta do romantismo criativo.
Metade dos membros da Meca do Cinema queriam que falhasse. A outra metade achou-lhe piada desde o inicio.
Flirteou com actrizes, embebedou-se com actores e humilhou em público demasiados directivos para passar desapercebido. Mas ganhou o respeito do meio. Por isso, depois de Treasure of Sierra Madre, talvez o seu melhor filme, a Academia deu-lhe o Óscar de Melhor Realizador à frente de vários nomes já consagrados. E rendeu-se à evidência do seu talento depois de Huston assinar um cruel e seco retrato da ganância e soberba humana como Hollywood não estava habituada a ver. O sucesso junto da indústria, que ele tanto desprezava, valeu-lhe então o despeito dos artistas, que ele tanto admirava. Os franceses ignoraram-no e preferiram os mais polémicos Peckinpah, Ray e Fuller. Os ingleses não gostavam da sua atitude excessiva e mesmo nos Estados Unidos o seu espírito afastava-se da nova vaga dos actores do Método. Ele ainda era da escola dos directores-ditadores e isso encaixava mais no preconceito com o star-system do que na nova seiva de produtores, realizadores e actores.
Talvez por isso Key Largo, Asphalt Jungle e The African Queen - três filmes maravilhosos, belos, crus e com um sentido de humor refinado - tenham passado ao lado de todas as listas de todos os críticos e do aplauso do grande público. Em ambos se vê a sua mão, em dois deles volta a funcionar a parceria com Bogart e no computo da sua filmografia de então fica clara a sua atitude despreocupada e cínica com o Mundo. Rodar em África o épico bélico com tons de obra teatral para realizar o sonho de comandar um safari não enquadrava bem no espírito dos críticos dos Cahiers (frívolo, diziam) nem nos empresários americanos que o tinham por excêntrico.
E no entanto não o era. Abandonou os States em protesto com a caça às bruxas e começou com Asphalt Jungle a tendência do cinema noir de tornar os criminosos em heróis marginalizados pela sociedade capitalista. Abriu a escola e não usufrui dos louros rapidamente entregues a outros grandes em forja. Essa falta de reconhecimento amargurou para sempre a sua egolatria existência e depois do fracasso de filmes puramente comerciais - apesar de inspiração artística de base - como Moby Dick e Moulin Rouge - entrou numa espiral decadente que só The Misfits - e no fundo, ele que abriu e fechou a carreira de Marylin Monroe, também o era - soube paliar. Mas o cinema - e a sua base - tinham mudado de tal forma que a partir dos anos 60 se dedicou a cultivar a imagem de cretino consumado e passou à interpretação logrando o clímax no policial Chinatown, talvez lembrança dos seus primeiros dias.
Huston manteve-se fiel a si próprio (basta ver The Night of the Iguana, The Man Who Would Be King e o seu opus, The Dead, para entendê-lo) até ao fim. Excluiu-se de Hollywood mas soube utilizar a sua popularidade em proveito próprio, saltando de projectos pessoais (Freud: The Secret Passion) a filmes puramente comerciais (Escape to Victory). Viveu à margem de Hollywood mas não soube nunca passar verdadeiramente sem o caos de Los Angeles. Viu passar gerações de cineastas, escolas e movimentos, e manteve-se imutado. O seu penúltimo filme, Prizzis Honour, teve o mesmo impacto e revelou a mesma frescura que o primeiro. E esse espírito definiu-o eternamente. Fora do sistema, dentro dele, fora dos autores, com eles, John Huston foi sempre ele mesmo. E isso acabou por parecer-lhe sempre suficiente.
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