No final a simplicidade é o ingrediente mais importante de qualquer poção mágica. E Michel Hazanavicius tomou uma boa dose à medida que escrevia, planeava e dirigia um filme que complementa à perfeição todo o ideário possível e imaginário do que transforma um filme em cinema. O silencio de The Artist é mais retumbante que as mais sonoras explosões hollywoodescas. O Cinema nunca precisou da voz para ser Cinema, Hazanavicius apenas decidiu relembrar-nos isso...
Ouvimos o velho projector a dançar a bobine, imaginamos o homem que Tornatore nos ensinou a amar preparado para a substituição.
Lembramo-nos de Theda, de Douglas, de Mary, de Pola, de Gloria, de Charles, de Buster, de Rudolph, de Greta, de Marlene, de Emil de nomes que hoje parecem ter perdido o sentido porque alguém imaginou que nasceram sem voz. Graças a The Artist saimos da sala a amar, se é possível, um pouco mais esse movimento mecânico de reprodução a quem alguém um dia chamou Cinema. Essa declaração de amor é tardia e honesta e serve perfeitamente para lembrar os mais distraidos que as origens têm sempre algo de único e irrepetível que nunca verdadeiramente será entendível pelas gerações que se seguem. Durante anos ouvimos a ladainha do espectador comum, educado ao som, à cor, ao cinemascope, aos gritos e explosões atirarem pedras à simplicidade do preto e branco, à coerência do falso silencio. Foi preciso chegar The Artist para que a maioria possa finalmente perceber o que tanto contámos aos peixes.
Quando o sonoro irrompeu vivia-se uma verdadeira idade de ouro, entre cineastas, actores e productores e apesar de inevitável, a mudança significou um profundo retrocesso artistico que demorou alguns anos a compor-se e que cobrou muitas vitimas pelo caminho. A história não é nova, Sunset Boulevard ou Singing in the Rain já tinham aberto o caminho, mas uma optou pelo ar pesado crepuscular de uma era que se fecha enquanto outro optava pelo optimismo colorido do musical, como que o som homenageia o mudo sem deixar de ser som. The Artist rompe com os dois precedentes. Por optar pelo melodrama sem excessivo dramatismo mas com uma profunda dose de realismo humano. E por manter-se fiel ao ideário sonoro por detrás da história que lhe dá vida.
Valentin, herói do mudo, Peppy, essa anónima que descobre que Hollywood realiza os sonhos mais inesperados, envolvem-se numa história de ida e volta em que o tempo cronologico explica perfeitamente ao mais desinformado dos espectadores o que significou essa mutação do cinema mudo à glória final do sonoro (e quando digo final, digo do final!). No entanto a história de amor entre ambos, essa base moral de que Hazanavicius parte, transforma-se no escape ideal para aprofundar todo o potencial artistico que envolve o ideário de um projecto que resgata o mudo com uma naturalidade abrumadora. Em nenhum momento necessitamos da voz (não do som, esse é omnipresente) para seguir e deixar-nos envolver pelo ritmo apaixonante de uma história repetida até à exaustão e que no entanto surge, mais fresca do que nunca.
Se a voz de Jean Dujardin e Berenice Bejo fica numa caixa de segredos, o som é parte fundamental nessa construção narrativa. Da mesma forma que os pianistas davam colorido às exibições da época, Hazanivicius transforma-se ele mesmo num pianista sui generis oferecendo a respiração intensa, o ritmo doloroso e o suspense definitiva com trechos de obras pretéritas soberbas. Que um filme mudo se lembre de Vertigo para o climax e que nos deixe extasiados só mais uma vez com essa partitura memorável, significa simplesmente que a carta de amor que é este projecto extende-se ao cinema em geral e não só à era dourada do silencio ensurdecedor.
Hazanavicius realiza com uma honestidade brutal, uma sensibilidade tremenda, deixando-nos captivos sem asfixiar-nos com o seu ritmo solto e livre. Ao seu serviço, desde que há 10 anos idealizou o projecto, a sua mulher - uma Berenice Bejo tremendamente cinematográfica, encarnação perfeita do espirito da época - e o seu actor de confiança - uma impressionante, impressionante transformação de Jean Dujardin num galã em toda a regra digna de prémios na linha do que recebeu em Cannes com toda a autoridade. Ambos levam às costas o peso visual e emocional de um filme com um cão mágico, um reparto de velhas glórias que encaixa perfeitamente na trama e um espectador siderado até ao suspiro final. Como na vida The Artist termina começando outra vez. Assim é o Cinema, assim é um dos filmes mais simbólicos da última década.
Director - Michel Hazanavicius
Elenco - Jean Dujardin, Berenice Bejo, James Cromwell
Productora - Weinstein Co.
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