Quando o destino nos trai só existem duas opções: queixar-se eternamente do fado maldito que nos assombra, ou resignar-se com o inevitável e continuar o caminho. A maioria dos homens limita-se a maldizer a sua existência e abandonar-se num caminho sem retorno. Uns poucos levantam a cabeça e seguem em frente. Mas poucos são capazes de o fazer com tanta honestidade. Mesmo que o destino o tenha condenado a ver a sua vida andar para trás quando todos andam para a frente…ou será ao contrário?
O ritmo poético, lento e delicado que acompanha esta narrativa é tão cativante como o rosto envelhecido de uma criança que foi condenada a existir de forma diferente. E única. No final, conseguiremos perceber a magnitude de todo o drama e tristeza que acompanha a vida de Benjamin Button. Mas nos primeiros planos, aquela cara risonha e enrugada desperta, acima de tudo, carinho. Como qualquer criança. Da mesma forma que o seu rosto infantil desperta a mesma pena que nos dão aqueles idosos que, chegados já a uma provecta idade, conscientes do muito que viveram, se começam a esquecer que sequer existiram num último e derradeiro passo para o abismo final. Para Benjamin Button a morte é um ritual quase constante. Criado por uma vigorosa mulher (excelente Taraji P. Henson), responsável por gerir um lar de idosos, Benjamin cresce no meio dos seus (aparentemente) onde ninguém o veta e exclui por como é. Mas é à medida que o tempo vai passando, e a morte vai deambulando pela sua vida, que ele começa a perceber o verdadeiro drama de toda a sua existência. Até chegar ao momento onde, finalmente, se dá conta, do inevitável drama da sua condição. E quando todos alentam o desejo secreto de rejuvenescer à medida que os anos vão passando e o espelho nos vai devolvendo, com juros, aquelas caretas pueris, Benjamin só queria que o espelho parasse por um momento…e que esse momento se eternizasse.
Da obra original de F. Scott Fitzegerald, fica a ideia de base e o drama humano. A mão delicada de um verdadeiro autor como é David Fincher, trata do resto. O argumento reescrito por Eric Roth (o mesmo que esteve por detrás de Forrest Gump, com quem o filme parece ter similiaritudes apesar de viver no plano literalmente oposto) pode parecer pastelento e demasiado descritivo. Mas acerta na mouche ao não exagerar nunca, nem no aspecto visual, que depois do choque (já esperado) inicial se transforma em algo corrente, nem na parte emocional. Pelo contrário, Benjamin Button é um ser peculiar mas não por ficar mais novo a cada grão de areia que cai na máquina do tempo. É essencialmente um ser único pela forma como encara a vida. O que para todos é um gigantesco ponto de interrogação, para ele é uma inevitabilidade que há que encarar com o melhor rosto possível. Entende que enquanto os outros deambulam por festas, ele tem de se resignar ao seu rosto envelhecido. E que quando todos se preparam para reformar, ele vai descobrindo o mundo, de mochila às costas. Uma história tão peculiar e fascinante teria de ser sempre tratado com pinças, fosse como fosse, sob o risco de fazer desta magnifica história um freak show de exageros. E nesse campo, Fincher é aqui tão sóbrio como o foi em Zodiac, o seu último fabuloso trabalho que vive igualmente num registo de lentidão apaixonante, tão distinto do frenetismo de Se7en ou Fight Club. E tão poético.
Sob o fantasma do Katrina, esse temporal da Natureza da mesma forma que a vida de Button é um temporal da existência humana, vamos andando para trás e descobrindo a história da vida de um ser magnifico, e constantemente perturbante. E vivemo-lo nesse flashback tão vibrante e, ao mesmo tempo, tão tranquilo como o próprio desempenho de Brad Pitt, que aparece e desaparece por trás das sucessivas máscaras que lhe vão saindo, sem nunca deixar o mesmo registo de contenção que a personagem lhe exigia. Aqui não há, e voltamos à odiosa comparação, a estupidificação e o overacting de Gump (por muito genial que seja Tom Hanks). Pelo contrário, na maior parte das vezes que encontramos Benjamin, ele é um velho. Velho de rosto, a principio, mas, acima de tudo, um homem consciente da perigosa moralidade onde se encontra quando chega ao ponto fulcral da sua vida. E é precisamente nesse momento, para o qual sempre correu contra o tempo, que ele entende que não pertence a este Mundo e não tem o direito (não o terá, realmente?) de partilhar a vida de quem quer pelo simples facto de ser único. Essa sequencia chave do filme (o silencio de Cate Blanchett, sublime num papel que vive no limbo constante entre a perdição e a inevitabilidade, o olhar perdido e carnal de Pitt, as ruas desertas, a chave do passado), são a sentença da eterna perdição. É o momento em que todos aqueles que o viram rejuvenescer a olhos vistos e que esperam uma redenção miraculosa entendem, que para Benjamin Button, o final é pior que o principio.
Há uma dor constante e que ganha intensidade a cada plano que se sucede. Benjamin Button é um homem marcado pela dor. A dor do abandono. A dor da sua condição. E, principalmente, a dor de ter perdido aqueles quem mais queria sem poder sequer viver mais do que um breve par de momentos dignos de recordação. O curioso caso de Benjamin Button é a história de um homem que não nasceu para ser feliz, mas que procurou a felicidade em cada recanto da vida. Viveu e fez viver, despertou os outros da indiferença e soube escutar quando outros só ouviam, e soube ver quando outros apenas olhavam. Conheceu o mundo, mas, acima de tudo, teve tempo para conhecer-se a si próprio. E enquanto o relógio andava para trás e o tempo lhe ia devolvendo o rosto que afinal, nunca quis verdadeiramente ver, Benjamin Button olhou para o Mundo e percebeu que diante o sofrimento e a perda, há que erguer a cabeça e fazer-se à estrada…nem que seja para terminar onde tudo exactamente começou!
Realizador – David Fincher
Elenco – Brad Pitt, Cate Blanchett, Taraji P. Henson
Classificação – m/16
Productora – Warner Bros.