Os Oscares têm destas coisas. Deixam-nos expectantes durante meses a fio. E depois de umas poucas horas acabam. E tudo fica marcado para a história e escondido, num canto da memória. Até ao ano que vem. E depois há aqueles momentos que se eternizam no tempo. E que deixam no ar as questões que realmente importam.
Na cerimónia da última madrugada assistimos à consagração de um dos mais apaixonantes fenómenos de popularidade dos últimos anos. Um pequeno filme, rodado quase sem meios e sem nomes de luxo para preencher a letras gordas os cartazes de publicidade, bateu o pé aos gigantes e assumiu-se como o filme do ano. Já o tinha feito para um sem número de associações. Mas o que conta são estas pequenas estatuetas douradas. E conseguiu levá-las para casa, com a ratice de um menino de rua esfomeado. E enquanto os velhos do Restelo e os mais anti-Óscares se queixam de que falta a este pequeno filme esse traço de grandeza artístico-intelectual, a Academia responde com uma vitória categórica. E envia a mensagem: É a Magia, estúpidos!
Slumdog Millionaire é um filme mágico que irradia boa disposição, sorrisos e uma sensação de paz interior atípica no cinema dos dias de hoje. E consegue-o sem nunca abandonar o caminho da excelência. E isso é um mérito numa era onde a ânsia de lucro e o poder do star-system condena, quase desde a raiz, qualquer projecto ambiciosamente bem disposto. E os que por aí passam, são mutilados imediatamente pela crítica, sempre à procura do próximo filme negro e pessimista para elevar aos panteões dos Deuses da Arte que é a sétima na ordem, a primeira na magia. E é essa magia que Slumdog evoca. Os sorrisos nos primeiros Chaplin, o rosto do pequeno de The Kid é também o rosto de Jamal, quando contempla o Taj Mahal pela primeira vez. É a mensagem da bondade do destino que evocava Capra nas primeiras obras. E é, acima de tudo, a magia do original, do diferente, ao ritmo de uma banda sonora hipnotizante, por contradição a todas essas composições clássicas imaculadas que se repetem no tempo e espaço.
A vitória de Slumdog Millionaire é a vitória da magia cinematográfica. Não é a coroação do melhor filme do ano. Até porque isso é sempre subjectivo, convenhamos. Nem do mais arrojado projecto. Ou do mais artístico. Mas é aquele que mais depressa conquistou os corações do público. Aquele que ficará na memória. Daqui a um boa dezena de anos, The Curious Case of Benjamin Button tornar-se-á provavelmente num filme de culto para uma minoria selecta. Milk um ícone da comunidade gay, e pouco mais. Frost/Nixon cairá no esquecimento quase tão depressa como The Reader. E quando aos ausentes, WALL-E será ainda um marco, mas certamente já haverá meia dúzia de filmes melhores saídos daquela fábrica mágica que é a Pixar. The Dark Knight continuará a ser um ícone do seu género. E Revolutionary Road certamente será recuperado pela geração seguinte à que desprezou este fantasma do vazio.
Mas Slumdog Millionaire continuará a ser ele próprio. E certamente aqueles rostos endiabrados continuarão a recolher sorrisos. E no final todos torceremos de novo para que Jamal acerta a resposta que se lhe faz durante todo o filme. E que o destino se cumpra. A Academia fez a parte dela. Imortalizou-o. O tempo fará o resto.